segunda-feira, 7 de junho de 2010

entrevista com Ruy Castro


"Não acho nada, não os conheço, a maioria nunca vi jogar. Para mim, os jogadores da seleção são todos iguais"

(entrevista originalmente publicada no Brasil Econômico, no caderno Outlook de 29/05/2010)

ABRE:

Ruy Castro é um talento intenso e em frequente ebulição. Nasceu a quase 500 quilômetros do Rio de Janeiro, em Caratinga (MG), mas essa distância nunca existiu. Com o pai, comerciante, voava para onde viviam seus tios, tias e primos quando bem entendia. Logo estava morando na Cidade Maravilhosa, que viria a ser personagem e cenário quase permanente em todos seus livros, sempre a grande homenageada. Ruy não está de brincadeira quando diz que falar do Rio em sua obra é uma forma de devolver à cidade tudo que ela lhe deu. Graças ao trabalho insano de resgate histórico que faz em suas biografias, é possível respirar e reviver a vida social e cultural carioca, e acompanhar nelas o impacto de figuras como Carmen Miranda, Nelson Rodrigues e Garrincha. Ou da Bossa Nova e de toda essa turma. Não é fácil resumir a produção de Ruy, mas há uma tentativa disso no Fim de Papo, mais adiante neste Outlook.

Dizíamos que ele é uma figura intensa. Pois bem, aos 19 anos, com seu primeiro salário de repórter, na revista Manchete, comprou uma garrafa de uísque. Red Label. Era o começo de uma carreira prodigiosa no álcool e em alguns dos mais importantes veículos da imprensa brasileira (além de Manchete, Ruy passou pelas redações de Pasquim, Jornal do Brasil, Folha de S.Paulo, Veja São Paulo, IstoÉ, Playboy e Status).

No início dos anos 70, foi morar em Portugal, onde adquiriu perfeito sotaque lisboeta, editou a Seleções, e teve a segunda filha de seu casamento com a socióloga Maria do Carmo Guido, Bianca (que é arquiteta e reside em Lisboa). A primeira, Pilar, é bióloga e mora em Niterói. Ruy tem duas netas e um neto, este lisboeta.

De volta ao Brasil, em 78 imaginou que mudando-se para São Paulo — onde nunca havia pisado antes — finalmente ficaria rico e seria feliz. Não foi bem assim... O_casamento terminou e ele quebrou financeiramente. Até entrar, levado pela namorada Alice Sampaio, numa clínica de recuperação para alcoólatras, ele próprio reconhece que se esbaldou na “melhor fase da vida de um homem: entre o primeiro e o segundo casamento”.

Recuperado, descobriu que dentro do jornalista talentoso hibernava um escritor ainda mais. Começou sua profícua carreira literária, e em 93 voltou ao Rio. Não estava mais quebrado, e sentia-se novo em folha.

Há 20 anos, é casado com a escritora Heloisa Seixas, com quem divide não o mesmo teto, mas a vida conjugal e a paixão futebolística, ainda que ela envergue outras cores. Heloisa é fluminense, e Ruy é tão flamenguista que foi melhor deixar isso mais para o final desse texto. Ele declara ser um rubro-negro visceral, como se isso não fosse um pleonasmo, mas ao longo da conversa percebe-se que Ruy é mais ainda um torcedor do Rio de Janeiro. Se não joga o Flamengo, fica do lado de qualquer time carioca contra outro de fora. Só não torce, mesmo, pela seleção. E explica suas razões a seguir.

ENTREVISTA:

A poucos dias do início da Copa, não dá para escapar do tema: o que você acha da seleção que está na África?

Não acho nada, não os conheço, a maioria nunca vi jogar. Não me impressionaram, não sei onde jogam , não sei qual a posição deles. Para mim, são todos iguais, todos cortam o cabelo com a máquina zero, usam brinquinho na orelha e falam porrrta. Ou seja, não consigo me identificar com esses jogadores e para torcer pela seleção brasileira, tenho que me identificar com os jogadores, admira-los, e eles têm que jogar bem. Se jogarem mal e ganharem isso não quer dizer nada para mim. A seleção brasileira tem a obrigação de jogar bem porque o treinador pode convocar os jogadores que quiser, enquanto o clube, do nosso coração, entra em campo com os jogadores que dispõe, nem sempre os melhores. A última seleção que vi jogando bem, sinceramente, foi em 1982. Desde então, me desinteressei muito. Estarei em Portugal dia 24 de junho, Brasil e Portugal, cuidando da exposição da Carmem Miranda. Espero que empate, ou que Portugal ganhe.

O que você acha da figura do Dunga?

Discordo do penteado dele, do sotaque dele, das camisas dele e do temperamento dele.

E da seleção dele?

Ça va sans dire (não preciso nem dizer).

Você não quer nem saber se esse time passa das oitavas?

Isso não me tira nem um segundo de sono. Não estou fazendo a menor fé, então qualquer coisa de ótimo que essa seleção fizer será uma grande surpresa para mim.

E se ela ganhar como parece ser a chance, ao estilo Parreira de 1994?

Não vai me dizer nada. Esse título aí, 94, eu nem conto. O de 2002 também não. Tenho pouca memória deles. Sei reproduzir lance por lance passagens da Copa de 58, até da Copa 70 e muita coisa da Copa de 82. Mas essas que o Brasil ganhou mais recentemente, para mim, não dizem muita coisa.

Foi injusta a derrota em 82 ou realmente jogamos mal contra a Itália, naquele jogo fatídico?

O time jogou mal, entre outras coisas, porque estava mal escalado. Jogar com Serginho no ataque e aquele zagueiro, Luizinho? Foi mal escalada e não jogou o que poderia. Mesmo assim, não precisa ter perdido. Na verdade, não precisava nem ter ganho. Precisava só do empate. Faltou quem dissesse “calma, gente, não precisa correr tanto”. A Itália começou a jogar naquela Copa naquela partida. Até então, tinha uma campanha medíocre. Esse tipo de atenção para regulamento, à necessidade de ganhar ou só de empatar, não acontecia. Em 1982, certamente não acontecia.

Hoje a seleção tem muitos evangélicos, bons meninos. O que você acha disso?

Não só a seleção, todos os clubes. Outro dia entrou um jogadorzinho no Flamengo (Diego Mauricio), jogou bem, sofreu um pênalti. Aí, na saída do vestiário, ele falou “Deus é Fiel” umas cinqüenta vezes. O cara tem 18 anos, nunca deve ter tocado uma punheta na vida, entendeu? Lamentável (risos).

Não existem mais figuras apaixonantes como o Garrincha no futebol?

Fico imaginando o Nelson Rodrigues, o Mario Filho, escrevendo sobre figuras como o Ronaldo, o Adriano, o Vagner Love, esse racista aí que treinava o Palmeiras (Antonio Carlos Zago), esses evangélicos todos. É impressionante o que eles não teriam de assunto hoje. É uma deficiência estarmos tratando superficialmente esses personagens que são de grande riqueza psicológica.

Ser sempre chamado para falar de biografias é o preço ou o prêmio pelo seu sucesso?

Tenho muito prazer em falar sobre isso. Imagino que as pessoas, ao lerem os livros, tenham curiosidade de saber como o biógrafo chega àquelas informações e àquela riqueza de detalhes. Existe uma técnica para isso e não tenho o menor problema em divulgá-las e, se possível, estimular o máximo de pessoas a se arriscarem em biografias.

Nesses cursos e palestras, você diz que bom é ter a fonte (da informação) viva ao mesmo tempo em que prefere o biografado morto. Fale dessa equação.

O biografado é a pior fonte possível, não é confiável. As pessoas que conviveram com esse biografado, com um certo distanciamento do tempo, são as melhores fontes. Se é um morto com 10 anos de túmulo, fica melhor. O biógrafo tem a obrigação de tentar extrair da memória dessas pessoas não só o melhor, mas o pior também.

Seu livro sobre o Garrincha enfrentou problemas na justiça (Estrela Solitária ficou proibido de circular por 11 meses, e o processo se arrastou por 11 anos, com o livro em liberdade) que estão cada vez mais comuns. O que você acha disso?

Os processos são sempre oportunistas. Hoje, as editoras estão mais cuidadosas e o cerco está se fechando. No caso do Roberto Carlos, o autor (Paulo César de Araújo) foi processado, o livro (Roberto Carlos em Detalhes) retirado de circulação e nunca mais voltou. E nesse momento, há um livro que ameaça nem sequer ser publicado, que é a biografia do do Raul Seixas. A Heloisa (esposa de Ruy), que é prima do Raul, é fonte do Edmundo Leite, o autor. Eu acabei me envolvendo, dei vários palpites para ele. Ele estava fazendo um trabalho espetacular que, infelizmente, pode não chegar a ser publicado. Não sei em que pé está essa lei (do deputado Antonio Palocci, que autoriza a biografia não-consentida de pessoas públicas). Já fui a Brasília uma ou duas vezes tentar desencalhar o projeto de uma das comissões em que está parado. Claro, porque muitos políticos não têm o menor interesse que essa lei passe.

Quem no Brasil merece uma boa biografia?

Inúmeros. Guimarães Rosa, Drummond, Bandeira, João Cabral de Melo Neto, Di Cavalcanti, que eu até gostaria de fazer. Carlos Lacerda, gostaria de fazer. A grande biografia brasileira de todos os tempos seria a do Roberto Marinho. Ele fez coisas espetaculares e coisas condenáveis, como todos os proprietários de jornais do tempo dele e depois dele. Mas é quase uma história do Brasil, não só empresarial, mas cultural e política.

Nas suas colunas de opinião na Folha de S.Paulo, o tema do alcoolismo e a sua crítica ao lobby da propaganda de cerveja na Copa, é muito recorrente. Qual é a sua história com o álcool?

Fiz no avião uma coluna sobre a Lindsay Lohan, sobre isso. Sou da geração da maconha, mas das poucas vezes que fumei aquele troço, passei muito mal. Sou anterior aos hippies. Quando essa coisa de Píer (point hippie em Ipanema, nos anos 70) apareceu eu nem estava mais no Brasil, Deus me livre! (Risos) Mas sempre convivi com uma geração muito mais velha que a minha, a do álcool, do uísque. Com o meu primeiro salário, de repórter da Manchete, no final de 67, comprei uma garrafa de Johnnie Walker, Red Label. Sempre bebi, sempre me dei muito bem com bebida. Nunca tive uma ressaca, uma dor de cabeça. Tinha um organismo feito para beber. Nos primeiros 15 anos, bebi em grandíssima quantidade e a bebida não me alterou a vida em nada. Nos últimos 5 anos de bebida, estabeleci um processo de dependência do qual só saí muito depois, com uma internação. Aí realmente me afetou de todas as maneiras, pessoalmente, financeiramente, a saúde, tudo.

Aconteceu algum episódio limite, algo dramático, que o fizesse ter consciência da dependência?

Nunca tive. Só depois que parei. Até então, como todo bebum, achava que bebia porque gostava. Nesses últimos 5 anos, entre 83 e 88, comecei a perceber que não podia ficar afastado da bebida por muitas horas, nem minutos. Tremia, era a síndrome de abstinência. Estou sem beber há 22 anos e, depois disso, tudo começou a acontecer na minha vida, inclusive os livros. Até ali (parar de beber), eu não tinha ideia de que pudesse fazer uma carreira com livros. Tudo mudou. Passei a ter uma clareza mental e uma disposição física que eu não tinha. Tomando dois litros de vodka por dia, na fase final, eu não tinha nem tempo de trabalhar (risos).

Você parou de beber mas continuou fumando, né? (parou após ser diagnosticado com câncer)

Claro. Nunca demonizei nem bebida nem cigarro. Fumar é ótimo. Parei porque tinha que parar. Mas se algum dia eu soubesse que tenho só 15 dias de vida, a primeira coisa que faria é ir comprar um maço de cigarro.

A Heloisa faz um relato (no livro Álbum de retratos — Ruy Castro) de como o diagnóstico e o tratamento do seu câncer aconteceram durante o período em que você escreveu Carmen (biografia da artista, lançada em 2005). O livro te salvou?

Assim que ouvi o diagnóstico, pensei, “Ih, vou atrasar o livro”. Não estava com medo de morrer, estava com medo de atrasar. A Heloisa, citando de leve a prepotência com que eu sempre falei que poderia parar de fumar quando bem entendesse, me sugeriu que eu parasse ali. E eu parei, no mesmo dia. Fiquei um pouco decepcionado com o cigarro. Sempre tive grande prazer de fumar e, de repente, me vi moralmente compelido a parar. Mas nesse tipo de câncer, na base da língua, o culpado é sempre o cigarro e a bebida combinados. Mesmo tendo parado de beber há anos, eu tinha criado as condições para a doença.

Nesse relato dela, você diz que não se arrepende porque, se não tivesse feito tudo o que fez, bebido, cheirado, fumado, seria outra pessoa.

Isso fora outras coisas, mais complicadas (risos).

Aqui tem outro assunto complicado, mas em outra área. Como está o seu flamenguismo hoje, com Adriano indo embora e o clube nesse clima?

O Flamengo é muito maior que o Adriano. Esse período foi bom para os dois, ele deu um campeonato para o Flamengo e o Flamengo deu todo o apoio e tolerância possíveis para ele. A maioria dos nossos clubes funciona da maneira mais paternalista e mais desinformada possível. A bem da verdade, o Adriano não deveria estar jogando no time do Flamengo, nem no time da Roma. Tinha que estar no time da Vila Serena, que é uma clínica de recuperação de alcoolismo. Tenho a impressão que o Adriano ainda não é um dependente. Que ele é alcoólatra, não há dúvida, e isso não é nenhuma ofensa. Também sou alcoólatra. O fato de eu ter parado de beber há 22 anos não me torna um ex-alcoólatra, não existe ex- alcoólatra. Mas tudo indica se ele não interromper esse fornecimento, se ele não tiver consciência do que está acontecendo, infelizmente vai se tornar um dependente. Ainda mais com a quantidade de dinheiro que ele tem e com a quantidade de pessoas a fim de protegê-lo e passar a mão na cabeça dele.

No Flamengo as coisas são sempre assim? O Júnior (ex-jogador e comentarista de futebol) falou para a gente que isso é parte da cultura da instituição.

Tudo que acontece ali tem uma repercussão monumental. De fato é difícil imaginar o Flamengo administrado de acordo com as leis do bussines, do bom senso. O grau de paixão envolvido é muito grande.

Há quem diga que isso é um retrato do Brasil.

Não sei. Do Rio, talvez sim. É mais parecido com o Rio. Mas a coisa do Flamengo, mesmo o pessoal do Corinthians não tem ideia do que é. A torcida do Corinthians se ilude muito com essa coisa de ser a segunda maior. O Datafolha fez um contorcionismo estatístico recentemente para ver se conseguia chegar a um empate técnico. É impressionante! Não sei como o Datafolha ainda consegue manter a credibilidade depois de uma piada dessas. Em qualquer lugar do Brasil o Flamengo é maioria. Então tudo o que acontece ali tem um destaque enorme, é difícil manter a frieza, o equilíbrio, porque a instituição não favorece isso. Mas, é claro, deveria ter o mínimo de organização.

Você fica chateado com o fato de ser cada vez mais raro um jogador realmente identificado com o clube em que joga?

O Flamengo tem jogadores como o Bruno, o Leonardo Moura, o Ronaldo Angelim que estão lá há quase 5 ou mais de 5 anos... Mas, claro, se revela um, vai logo embora. É lamentável. (Longo silêncio) Deveria haver uma regulamentação para dificultar esse tipo de comércio. Uma coisa é ver um menino como o Ganso, que explodiu e não há dúvida que será cobiçado lá fora. Outra é você ver, num time inexpressivo, um cabeça-de-bagre que já passou por 10 times no Brasil, na Europa, na Ásia. Nitidamente há um tráfico ilegal nesse negócio. Alguém está ganhando muito dinheiro às custas desses pobres inocentes, que são mandados de cima para baixo como se fossem mercadorias. É quase um tráfico de brancas.

Como você e sua esposa (a escritora Heloisa Seixas), dois apreciadores do futebol, lidam com a diferença de paixões?

Ela é fluminense. Quando tem Fla-Flu, ela vê no apartamento dela e eu no meu. Moramos separados. Mas ela torce pro Flamengo à beça, e eu sempre torço pelo Fluminese quando o Flamengo não está jogando. Na verdade, torço para todos os times do Rio. Não tem essa coisa de sacanear meu vizinho vascaíno. Quando o Vasco joga contra um adversário de fora, torço por ele. Torço pelo futebol carioca.

E que tal o futebol carioca?

O futebol carioca está pagando pelo excesso de desorganização, que é uma constante. Durante os 60 primeiros anos do futebol brasileiro, o clube mais organizado era o Fluminense. Um clube de elite, modelo de administração, que disputava esportes olímpicos, esgrima, natação... Tinha uma presença forte na formação esportiva do atleta brasileiro. A dívida que o Brasil tem para com esses clubes mais antigos nunca foi suficientemente enfatizada. Se tivesse uma maneira de zerar as dívidas que esses clubes têm hoje, e passar a cobrar responsabilidades dos dirigentes atuais, o Brasil não estaria fazendo mais do que sua obrigação. Além do Fluminense, encontrava-se grandes homens no Vasco, no Flamengo, no Botafogo. Sou do tempo que certos dirigentes eram médicos, advogados, tinham uma vida importante fora do clube. Os clubes eram administrados por pessoas de grande valor.

Já hoje em dia...

De uns 20, 30 anos para cá, os dirigentes são pessoas nascidas dentro do clube ou na periferia do clube que entram com cargos importantes, mas sem nenhuma história, sem nenhuma biografia. Pode-se ver isso nos políticos também. Quando a capital era no Rio, médicos, advogados, engenheiros faziam carreira política. Eles levavam para a política todo o seu peso, sua dignidade, sua compostura. Hoje, em Brasília só tem políticos profissionais. Caras que se formam para serem políticos e, nesse sentido, vale tudo. Quem vai querer morar em Brasília a não ser políticos profissionais? Ninguém, não tem como. Você vai a Brasília para isso, ou para fazer grandes negócios.

Brasília foi um erro?

Quem diz isso é o Carlos Lessa (ex-presidente do BNDES). Não defendo que devesse ter continuado no Rio. O Rio adorou se livrar da capital, mas perdeu muito com isso porque todas as promessas feitas não foram cumpridas, como a abertura de indústrias. O Rio foi sacaneado de todas as maneiras. Mas, antes, o político, do burgo que fosse, chegava com sua senhora ligeiramente caipira, seu filhinho com o dedo no nariz (risos), numa cidade com 300 anos de poder, com teatro, cinema, salões, confeitarias. Esse político tinha que dar um up grade em si mesmo, ou seja, havia uma elevação de nível da elite política brasileira. Agora, não. O cara sai lá do caixa-prego, passa dois dias em Brasília, e volta pro caixa-prego. São essas pessoas que decidem o destino do Brasil.

Quando você fala desse político mal instruído, está pensando no Lula também?

Não. O Lula é o contrário, é um prodígio de intuição e de savoir faire político. Me refiro aos outros, a esses Delúbios, essa corja que cerca o Lula. Todos eles.

Então vamos voltar à sua praia. Como é o Rio de Janeiro do Ruy Castro?

Como todo grande carioca, não nasci no Rio. Nasci em Minas Gerais. Mas tinha uns 50 parentes no Rio, e vivi o melhor dos dois mundos. Passava meses no Rio, meses em Caratinga. O Rio do meu pai era o Centro da cidade, a Lapa, o Tabuleiro da Baiana, o Largo da Carioca... Cansei de pegar a praia do Flamengo, antes do aterro, era pouquinha areia mas todo mundo ia. Fui ao Maracanã a primeira vez aos 10 anos. O Rio todo é o meu departamento. Falo dele nos meus livros porque conheço o cenário, e, de alguma maneira, tenho que devolver ao Rio o que ele me deu. É uma maneira de tentar estabelecer uma cultura, mostrar como eram as coisas em certo momento.

E como é o seu Rio hoje?

Quando voltei ao Rio em 96, depois de 15 anos em São Paulo, pela primeira vez fui morar no Leblon. Queria ficar perto da praia, e o bairro é auto-suficiente.

O Leblon de hoje, entulhado de paparazzi atrás de celebridades, te incomoda?

O carioca nunca ligou para isso, está acostumado a passar a mão na bunda do rei. O Rio foi capital da colônia, do vice-reinado, do império e da república. O carioca não tem nenhuma cerimônia com o poder. Não é qualquer artista que vai fazê-lo virar o pescoço. Esses paparazzi não me incomodam em nada.

MAKING OF:

A entrevista e as fotos desta reportagem aconteceram no Centro Cultura b_arco, em São Paulo, onde Ruy passou alguns dias para dar mais um curso livre de biografias. Ele foi atencioso e esbanjou sua memória detalhista e precisa, mas, convenhamos, deve ser horrível para um jornalista ser "apenas" o entrevistado. Três vezes ele interrompeu um raciocínio para me perguntar, afinal, como é que eu ia editar tudo aquilo. Ficou impressionado — diria até incomodado — quando soube que a transcrição da entrevista não seria impressa, que eu faria a edição no computador. Tentei argumentar que costumava funcionar, até que muito bem. "É, mas acho que imprimindo você tem uma visão mais abrangente do material", não se conteve. No final do papo, ofereceu-se para "arredondar certas respostas, colocar umas piadas". Talvez tenha ficado com medo de aparentar mau humor. Tem nada não, Ruy. Suas respostas estão ótimas. E, como eu falei, minha próxima entrevista com você será ainda melhor.

2 comentários:

Felipe Zangari disse...

Phydia, bela entrevista!

Admiro Ruy Castro por combinar como pouco acidez e polidez. Fico feliz quando zapeio pelo BandNews e ouço a crônica dele. Um sujeito que descobriu os limites do bem viver e lida com a vida de forma respeitosa.

Um pequeno adendo, na resosta sobre os jogadores e técnicos de futeol: o nome correto do ex-treinador do Palmeiras é Antonio Carlos Zago - e não Marco Antonio.

Parabéns pelo trabalho e sucesso sempre!

Abraço

Felipe

Phydia de Athayde disse...

Ah! Tens toda razão. Obrigada por observar. Como aqui não é papel, vou corrigir, hehehe...
Abração, valeu,
Phy